Índice

Quarenta Séculos de Indianidade

por Guy Anequin em A Civilização Indiana (1979), Editora Ferni, Rio de Janeiro.

Grandes rios e grandes civilizações
Os grandes rios engendraram as grandes civilizações: o Nilo, egípcio; o Tigre e Eufrates, sumerianos; o rio Amarelo, chinês; o Indo, indiano. Contudo, neste vasto subcontinente indiano sete vezes maior do que a França e hoje dez vezes mais povoado, dois rios são responsáveis por esta civilização; se esta eclodiu efetivamente na bacia do Indo, em compensação, será na do Ganges, principalmente no decurso dos séculos seguintes, que se sucederão uma série de dinastias que farão questão de estabelecer aí suas capitais.
Além disso, na mitologia indiana, o Ganges é chamado de Santa Mãe e é considerado como a réplica, aqui na terra, da Via Láctea; todo o crente aspira ir um dia em peregrinação, mergulhar seu corpo no rio sagrado, e talvez obter o insigne favor de morrer às suas margens, de aí ser incinerado e ter as cinzas misturadas às suas águas. Ainda hoje, com as suas escadas (ghats), mergulhando no rio, Benares é a cidade santa onde os peregrinos vão aos milhões purificar-se e procurar a esperança de uma vida melhor para sua próxima reencarnação. Assinalemos, no entanto, que esta água purificadora está terrivelmente poluída. Bernard Shaw, humoristicamente cáustico, dizia que os próprios micróbios não podiam viver ali!
Estes rios traziam a esperança, mas também a vida e a morte. Na fornalha indiana fustigada pela excessiva monção, não há vida sem água, sem rega; os rios e os riachos arrastam esta água preciosa. Criadores de vida, os rios podem igualmente tomá-la de súbito, pois seu humor é estranhamente caprichoso e vagabundo: em algumas horas, acontece encherem-se e arrastarem tudo; de se deslocarem também e de se fixarem a quilômetros do leito original anterior!
A água comanda tudo, sobretudo a implantação da aldeia ou da cidade, quando se pode estar seguro de a reter em bacias suficientes. Uma fonte é um tesouro, não é, pois, de admirar que as mais antigas divindades fossem as Nagas, estes gênios-serpentes de várias cabeças, apostados perto das fontes e bacias para as proteger. Ainda hoje os camponeses os veneram.
A vida só é possível pela água, com o Indo abrasado no seu vapor, sob um sol implacável e uma atmosfera demasiado poeirenta, secas e fome espreitam o camponês e ainda febres e doenças temíveis; as epidemias matavam às centenas de milhares. A média de vida dos Indianos era e é ainda dramaticamente baixa; uma criança que nascia tinha poucas possibilidades de chegar à velhice. Por outro lado, o seu nascimento acorrentava-a definitivamente à sua condição social, medíocre para a quase totalidade dos seres, mantendo-a aí em virtude da disciplina férrea imposta pelo sistema das castas. Era preciso portanto resignar-se a esta amarga constatação: que a vida só é sofrimento, que o universo inteiro só encerra sofrimento. Assim sendo, como não poderia ela ficar obcecada por visões paradisíacas, supraterrestres, feitas de palácios suntuosos e de parques verdejantes onde vivem deuses e heróis de plástico ideal, que nem a fome nem a doença atormentam e que escaparam ao seu karma se libertaram da constrangedora cadeia? Com efeito, a arte indiana só mostra seres perfeitos, bem nutridos, de formas volumosas, sem taras nem imperfeições, parecendo ignorar a angústia, a fome, a dor, o desgosto. Por isso, eles já estão próximos dos deuses; a perfeição das formas humanas participa igualmente do divino. Este universo intemporal e ideal da arte, povoado de seres sobrenaturais, joviais e de plástica agradável, tem paradoxalmente aos olhos dos Indianos mais existência do que os seus semelhantes imediatos e contemporâneos, tão imperfeitos e efêmeros; os acontecimentos terrenos e os indivíduos têm pouca realidade e significação, uma vez que estão condenados a desaparecer. Os conceitos abstratos e gerais, em contrapartida, pelo fato da sua perenidade e de sua inalterabilidade, são os únicos reais e válidos, assim como só as leis e os costumes de instituição divina têm um caráter absoluto e indiscutível. Daí o aspecto profundamente espiritualista do pensamento indiano.
Além disso, esta concepção que rebaixa a vida humana à condição de simples elo de uma cadeia ininterrupta de reencarnações, conduz à aceitação de tudo e, ainda, à paralisia da vontade, pois que para a eternidade, o tempo e a evolução não têm sentido. Por outro lado, as vidas anteriores decidiram tudo e a existência atual, momentânea, esta curta e penosa aventura, é só o fruto dos méritos anteriores. Daí a indiferença dos hindus pelas realidades contingentes e sua atração pelo ideal e a alta espiritual idade, como o testemunha toda a sua arte que não se preocupou nunca em exprimir as sensações passageiras; sua nobreza e dignidade derivam desta atitude eminentemente espiritual e religiosa, profundamente firmada na alma indiana. Daí, igualmente esta continuidade exemplar, esta homogeneidade e coerência excepcionais, que observamos na evolução da arte e que lhe asseguraram sua perenidade mesmo depois que contatos brutais com culturas estrangeiras tivessem alterado e abalado, por várias vezes, o caráter monolítico da indianidade sempre "una" na sua diversidade.
Pelo grande desfiladeiro de Khyber, ao longo de milênios, se expandirão os Árias, os Gregos de Alexandre, os Citas, os Hunos, os Turcos; depois pelo mar virão os Europeus. Em nenhum momento, apesar das inevitáveis perturbações e desvios, a indianidade foi desenraizada deste subcontinente fechado sobre si mesmo, entre mares e o Himalaia. Tanto por fatores religiosos como pela constante fidelidade às tradições milenares, esta continuidade foi igualmente favorecida pelos dados geográficos.
Fechada sobre si mesma, sem dúvida! A Índia terá um esplendor universal sem equivalente em sua época, que se prolonga até hoje. Por toda a Ásia até à China e ao Japão, a Índia, sem o desejar, representou um poderoso papel civilizador, sem ter tido nunca o mínimo interesse imperialista, o que merece ser dito. Este fervilhante, mas sereno centro de cultura, marcou todo o Extremo Oriente com a sua visão e pensamento; o budismo, nascido na Índia, depois de sete séculos, sai do próprio solo, floresce ainda em muitos países da Ásia, que modelou profundamente. O Sudeste da Ásia traz no mais alto grau a marca da civilização indiana e uma cultura tão perfeita como a dos Khmers, que procede dela quase totalmente.
Esta Índia que imaginamos como um bloco monolítico pela sua notável homogeneidade de cultura, não conhece, de resto, a unidade política senão de maneira breve e descontínua, por três vezes somente: com a dinastia Mauria, pouco antes da nossa era; com a dos Guptas, nos séculos IV e V, e com os Mongóis, estes de origem não indiana e ainda por cima muçulmanos, desde o século XVI ao XVIII. Por três vezes somente - cinco ou seis séculos no máximo, dos vinte últimos - a união política foi realizada. Nos intervalos, pequenos reis e príncipes erguiam efêmeras capitais, mas também templos assombrosos. No conjunto, foi regra geral a fragmentação política e não a unidade.
Isso, naturalmente, condicionou e explica a diversidade aparente do estilo indiano, que subsiste como expressão de províncias muito diversas, separadas por milhares de quilômetros. Não esqueçamos nunca que a Índia é um subcontinente imenso, de climas diversos e paisagens que vão do deserto aos vales glaciares, com populações de várias raças, falando línguas diferentes de maneira que hoje é-lhes necessário o inglês para se compreenderem entre si e que o cimento que ligou todos os Indianos foi sempre o bramanismo, sendo o budismo e jainismo dois dos seus rebentos. O dia em que uma religião, o islamismo, conseguiu desviar das suas raízes uma parte da população, a Índia explodiu: em 1947, o Paquistão muçulmano desmembrou-se; depois de 1970, o Bangladesh, província oriental do Paquistão, separou-se por sua vez deste último.
Seguiremos a civilização indiana de há quarenta séculos a esta parte, porque podemos considerar, que desde a primeira fase proto-histórica, os germes iniciais da indianidade são reconhecíveis. Dividiremos, grosseiramente, em três grandes painéis o longo e muito complexo desenrolar desta civilização, que se confunde com a do seu pensamento totalmente impregnado de religiosidade e de espiritualidade, uma vez que mistura o divino e o humano.
Aparecida por volta de 2500 a.C., forja, durante um milênio, misteriosamente, sua própria visão e concepções. Depois, durante dois milênios caóticos, origina uma série de culturas diferentes atingindo seu ponto culminante nos séculos IV e V, durante o período gupta. Enfim, durante o último milênio, seguiremos sua decadência entrecortada por alguns belos períodos.
N.B: É preciso entender por Indiano o habitante da Índia e, por hindu, o adepto da religião hinduísta, que é uma forma evoluída do antigo bramanismo. Nem todos os Indianos são forçosamente hindus.

A Índia Proto-Histórica
A Índia era povoada desde a noite dos tempos, quando, há 5.000 anos, alguns clãs chegaram a fixar-se à volta de seus campos, perto de seus rebanhos, em grandes aldeias com atividades cada vez mais organizadas. Com a ajuda de argila, fazem recipientes; observam as qualidades de um minério vermelho: o cobre, que, primeiro martelado, depois fundido, oferecia um grande avanço em relação à pedra para o fabrico de ferramentas. Essas primeiras aldeias primitivas, como as de Kulli e de Mehi, foram reconhecidas principalmente na província do Baluquistão, que se limita com o Irã. No entanto, cada uma destas comunidades mostra uma certa originalidade e distingue-se da vizinha: uns enterravam seus mortos, outros queimavam-nos; o tijolo prevalece neste lugarejo e no outro, a pedra. Em suma, dispersos e selvagens, cada agrupamento contribuía na elaboração de uma nova cultura em gestação.
A região de Amri, em Sind, parece ter sido relativamente mais favorecida, porque estava situada numa zona então fértil e irrigada, nitidamente, mais do que hoje, como o demonstra a fauna da época: elefantes, rinocerontes, crocodilos e tigres freqüentavam seus pântanos. Atualmente esta região, varrida pelo vento, é nua e árida. Mas é o lugar de Kot-diji, situado acima do nível do Indo, explorado em 1955-1957, que anuncia por vários indícios, essa civilização homogênea e brilhante, que durante um milênio, de 2500 a.C. a 1500 a.C., fará do vale do Indo, com o Egito e a Mesopotâmia, um dos grandes cadinhos da civilização do mundo antigo.
Esta civilização nova, dita do Indo ou de Mohenjo-Daro e Harappa, segundo o nome dos dois lugares explorados, parece ter representado um papel capital na formação da indianidade. Ela é portadora, com efeito, de germes dessa personalidade que eclodirá perto de dois milênios mais tarde e isso apesar de um longo eclipse, de um sono prolongado e perturbador, depois que essa civilização brilhante, essencialmente urbana na sua manifestação, mas de essência agrária, se apagou enigmaticamente por volta de 1500 antes da nossa era.
Ela oferece-nos, em suma, elementos que nos remetem à civilização sumeriana, sua contemporânea, sem por isso se apresentar como uma província desligada dessa prestigiosa cultura mesopotâmica. A escrita indiana, para dar só um exemplo, não tem rigorosamente nada em comum com a da Suméria. Compreende-se mal, como a civilização do Indo chegou tão depressa a um estágio urbano tão avançado e bem organizado; a fase preparatória necessária escapa-nos. Constatamos simplesmente que uma plêiade de cidades - perto de oitenta foram encontradas - coexistiram por, aproximadamente, um milênio numa área geográfica muito extensa, comparável à Europa ocidental, desde o mar de Oman até ao Ganges. As duas primeiras cidades desenterradas nos anos vinte, Mohenjo-Daro e Harappa, provocaram o espanto nos especialistas; até então nem se suspeitava da existência dessa civilização!

Uma aparição e uma desaparição misteriosas
O mistério de sua aparição duplica com o de sua desaparição; tão brutal como definitiva a meio do segundo milênio, dá lugar a um verdadeiro vazio cultural, a uma total regressão que perduraria dez séculos. Este período obscuro levanta, por sua vez, muitas perguntas. Para tentar resolvê-las, Sir Mortimer Wheeler, depois de 1946, utilizou sua pá de arqueólogo nesses lugares que Sir John Marshall, E. Mackay, Sana Ullah, Vats, Dikshit, Hargreaves...tinham pesquisado dois decênios mais cedo; suas observações foram em vários pontos confirmadas.
Estas cidades-estado cercavam-se de espessas muralhas, que nos alam de ameaças e de insegurança, tanto quanto as imponentes cidadelas, que freqüentemente as coroam e zelam pela sua segurança e seus bairros dispostos como um tabuleiro de damas, cortados por largas artérias orientadas na direção do vento. Normalmente utilizava-se o tijolo cozido para as infra-estruturas e o tijolo seco ao sol para os alicerces. Canalizações muito aperfeiçoadas levavam a água do rio mais próximo até à mais humilde habitação; outras, constituídas por regos, situados no meio das artérias, cobertos por pedras achatadas, drenavam as águas sujas e pluviais; estes esgotos coletores desembocavam em poços de decantação. Esta preocupação pela higiene e bem-estar geral apresenta um caráter excepcional para a época, que se preocupava pouco com a sorte dos humildes.
Sem janelas para o exterior, concebidas à volta de um pátio interior - o pátio ibérico ou o riad árabe - as casas lembram em tudo as do Oriente Médio com a superioridade de serem construídas com tijolos cozidos, ligados por uma argamassa feita de gesso. Aliás, a maioria era dotada de poços e instalações sanitárias domésticas (cozinha, banheiro, piscina...) totalmente desconhecidas das brilhantes civilizações vizinhas contemporâneas. Muitas tinham um andar ou até dois que deveriam ter sido construídos sobretudo com madeira. Agrupavam-se em verdadeiros blocos ou bairros mais ou menos reservados a corporações diferentes. Seu arranjo mostra-se muito superior ao das casas de culturas futuras, tais como as de Taxila no período dos Kushan.
Nos bairros públicos encontraram-se instalações imponentes de celeiros, que possuíam um engenhoso sistema de isolamento e ventilação; sua importância sugere uma organização social avançada e estruturada. Alguns comparam estes celeiros públicos a verdadeiros bancos nacionais, servindo o cereal de moeda de troca, de unidade de referência. Todas as mercadorias eram avaliadas por medidas de cereais. Aliás, a mais importante ocupação e a prosperidade os Indianos repousava na intensa atividade agrícola, que proporcionou a atividade citadina complementar.
Ficamos verdadeiramente admirados de, nesses tempos profundamente religiosos, não encontrarmos templos ou vestígios da estatuária que os povoaria, como foi regra noutros lugares durante toda a antiguidade, nem sequer estatuetas de adoradores em atitude de oração diante de sua divindade. Podemos concluir que a religião ficava num plano secundário? Num plano inferior, talvez, ao da religião no Egito e Mesopotâmia, ainda que pareça incrível, que a religião fosse negligenciada nesta época e nesta Índia donde partirá o budismo. Sem dúvida revestir-se-ia de formas que desconhecemos ainda.
As figurinhas de pedra ou bronze encontradas (somente onze peças fragmentadas de pequeno formato para todo o Mohenjo-Daro) e grande quantidade de figurinhas em argila, contribuem para uma certa documentação sobre esta sociedade e seus meios de expressão.
Parece que a natureza do material utilizado levava os artistas ou os modeladores a duas vias diferentes que testemunham duas estéticas e dois universos distintos. Com efeito, tanto uma estatueta em calcário representando um homem nu de Harappa, sem braços nem cabeça, pode surpreender-nos pelo seu naturalismo, pela sensibilidade da modelagem e a acuidade da observação - uma certa qualidade de observação e um acabamento da obra que só reaparecerão na Grécia - como as numerosas placas de argila retomando o tema da opulenta deusa-mãe das civilizações agrárias, de corpo geométrico, esquemático, recortado e incrustado, braços sem mãos terminando em pontas, olhos igualmente incrustados até mesmo com grãos de café, remetem-nos a uma concepção de arte diametralmente oposta mas não menos sedutora. Talvez esta segunda concepção, mais idealista, traga em si mais mistério e fervor. Alguns especialistas aventaram a hipótese destes bustos mutilados de homens nus representarem sacerdotes oficiando em sua nudez ritual, praticada na mesma época na Mesopotâmia; outros vêem neles representações de divindades. Na realidade ignoramos tudo acerca dos deuses da época.
Mohenjo-Daro e Harappa também não testemunham a existência de palácios ou de túmulos reais. Daí a conclusão de que um regime democrático fosse já uma realidade nesse tempo, esta audaciosa suposição foi admitida, sendo esse avanço surpreendente para a época. Nestes milênios de tirania, de insegurança, de religião e magia oficiais, uma tal conclusão surpreende e torna-se dificilmente aceitável, mesmo se constatarmos todo o interesse manifestado pelo destino do povo, numa época em que se fazia tão pouco caso disso.
No domínio da arquitetura nota-se igualmente a não menos surpreendente ausência de decoração esculpida na pedra ou no gesso; nem capitéis, nem lintéis trabalhados, nem balaústres, nem frisos... nenhuma intenção ornamental foi deduzida na disposição, sempre banal, dos tijolos. Poderemos nós imaginar, que a arquitetura tomasse um aspecto severo e rigoroso nesta Índia, que há milênios aprecia as mais ornamentadas e barrocas fachadas, as mais rebuscadas que o espírito humano concebeu? Nesta Índia primordial em que adivinhamos muitas primícias idade de ouro que virá, supõe-se que o gosto pela decoração profusa e abundante estava circunscrita a guarnições de madeira e lambris esculpidos pelos quais sabemos haver uma preferência persistente; mas isto é pura hipótese, pois a natureza do solo e a do clima parecem nada ter deixado subsistir. Pode-se igualmente supor a presença de decorações caiadas, como observamos atualmente nas fachadas de certos templos do sul da Índia.

Cidades de concepção democrática
De tipo agrário, esta civilização conheceu o uso do cobre e do bronze, não o do ferro. Para a olaria usava-se o forno. A maior parte da população pastoreava os rebanhos e cultivava o trigo, a cevada, o gergelim, pepinos e colhia tâmaras; esta relativa prosperidade facilita o progresso de uma pequena constelação de cidades-estado, que salpicou a gigantesca extensão do vale do Indo e afluentes e invadiu mesmo o vale do Ganges na direção leste. A primeira a ser-nos revelada, pouco depois do conflito mundial de 1914-18, foi Harappa, às margens do Ravi, cujo imenso campo de ruínas abandonado servia há meses de depósito de tijolos para construção do balastro dos caminhos de ferro do Pendjab. Alertados tarde demais, os arqueólogos esforçaram-se por tirar algumas informações dos restos esparsos e revolvidos desta extensa cidade - mais de cinco quilômetros de circuito - irremediavelmente pilhada.
Felizmente, quase ao mesmo tempo, um arqueólogo hindu, M. R. D. Banerji, trabalhando nas escavações de um mosteiro budista que coroava um gigantesco campo de ruínas bem mais ao sul, em Mohenjo-Daro, estabelecia uma relação entre os destroços recolhidos naquelas ruínas e os objetos encontrados em Harappa. Avisados, pesquisadores ingleses em breve acorreram ao local, menos extenso que o precedente, mas oferecendo em contrapartida a vantagem de não ter sido tão pilhado e esvaziado. Esses pesquisadores trabalharam alguns dos 260 hectares que as ruínas ocupam, com mais de 1.200 metros de comprimento; no setor mais elevado, separado do campo de ruínas principal, a poente do local, reconheceram uma cidadela e o bairro público e administrativo da cidade, enquanto que a levante, na cidade baixa, a mais vasta, descobriram bairros mais populares, reservados às habitações, às pequenas oficinas e comércio. No passado, o Indo - que depois se deslocou três quilômetros para leste - ladeava esses ativos bairros onde até cais acostáveis foram encontrados. Sem dúvida, que a cidade se enchia do ruído comum às cidades do Oriente, mas aqui as ruas não eram sinuosas e chegavam a ter perto de quatorze metros de largura.
Esta cidade baixa, disposta como um tabuleiro de damas, testemunha um verdadeiro planejamento urbano amadurecido e preestabelecido; aqui estamos a léguas das cidades orientais, que se lançam, anarquicamente, em todas as direções, suas ruas estreitas e sinuosas como "tocas de coelhos" para traduzir a feliz expressão de um explorador inglês. A presença freqüente de banheiros - de um gênero que se mantém até hoje em todo o subcontinente indiano - nas casas, mesmo modestas, são o testemunho de uma preocupação geral pela higiene e o conforto; por estas características, antípodas da política egípcia e mesopotâmica, que confiscava em proveito dos deuses e dos poderosos todo o esforço coletivo e que visava o colossal (construção de pirâmides, de zigurates, de templos famosos como Karnak), a civilização indiana merece a consideração em que é tida hoje; ali, nada de templos gigantes, de pirâmides colossais, de torres de Babel! É certo, que as preocupações pareciam ser de ordem mais utilitária do que religiosa ou política. Assim, o bem-estar era melhor repartido nesta população urbana, que parece ter amado a vida e uma certa ostentação, como o testemunha a abundância de joalheria.
Entre os edifícios públicos do bairro alto da cidadela, o que chama a atenção é um complexo de compartimentos articulados à volta de uma piscina, sem dúvida um tanque de purificação para os fiéis, se levarmos em conta o tradicional e atual costume dos crentes de tomar banho regularmente na água sagrada de um rio ou na de um tanque de um templo. No ritual indiano o banho individual desempenha um papel de grande importância.
Assim, parece que a religião hindu desde esses enigmáticos tempos, apresentava já um caráter mais ritual que cultural, mais personalizado do que coletivo, em que se confiava numa clerezia. Este aspecto da religião manteve-se na Índia, onde o rito mais popular é ainda esse banho solitário do crente. Mesmo lado a lado de seus irmãos de religião, o que mais impressiona neste rito de purificação pela água, é o ar ausente do oficiante, que se comporta como se estivesse só com a sua divindade. Assim sendo, é absolutamente necessário ver no "Grande Banho" de Mohenjo-Daro, o protótipo dos tanques rituais de purificação, que se encontram através de toda a história indiana. A existência de instalações cuidadas à volta desta piscina, como pequenos compartimentos com banheiras, uma galeria circundante com pórtico e degrau, parecem confirmar a finalidade religiosa do conjunto. Mal se concebe, que um complexo tal, pudesse ser um simples reservatório e a concepção profana de uma piscina de recreio, também não teria cabimento nestes tempos recuados.
Mas a grande originalidade desta importante cultura reside principalmente nos seus famosos e inumeráveis selos - mais de 1.200 foram recolhidos só em Mohenjo-Daro! - côncavos, na sua maior parte, gravados na untuosa esteatite, instruem-nos sobre a fauna da época, talvez também sobre a teogonia dos hindus. Búfalos, touros, zebus, elefantes, tigres, rinocerontes, íbis, antílopes, esquilos, crocodilos, serpentes... todos estes animais sugerem uma natureza mais verdejante e arborizada do que hoje. Como foi preciso abater muitas árvores durante uma dezena de séculos, para construir, esculpir, alimentar as lareiras domésticas e cozer tijolos aos milhões, não teriam os hindus perturbado o equilíbrio ecológico levando toda a zona do Indo a um lento e progressivo deperecimento? Temos a certeza, que no início da nossa era a região estava coberta por uma imensa floresta.
Por outro lado, numerosos orientalistas interpretaram essas representações animais, vistas de perfil, quase sempre em repouso, como emblemas, símbolos divinos. Neste panteão voluntariamente animalista, foi encontrada em Mohenjo-Daro, por três vezes, a presença de uma personagem sentada em atitude de alfaiate sobre um tamborete dotada de três rostos e grandes chifres; neste estranho deus rodeado de feras, viu-se o protótipo do futuro deus Siva, na sua metamorfose (avatar) particular de animal e sob a forma "Trimurti ", quer dizer tricéfala.
Por seu lado, o culto da serpente, sobretudo da cobra-capelo, muitas vezes associado ao do touro, remete-nos de novo para o deus Siva uma vez que são os seus dois animais emblemáticos; a serpente, evoca o domínio subterrâneo da morte, enquanto que o touro, simboliza a fecundidade e refere-se ao sol que fertiliza, enviando-nos para o domínio celeste. Siva, com efeito, será freqüentemente figurado com uma serpente enrolada ao tronco e montado sobre o touro Nandin.
Foi várias vezes encontrado um enigmático animal com um único e grande chifre, fazendo lembrar o licorne, que simboliza o deus nacional da Babilônia, Marduque. Este animal fabuloso é representado às vezes diante de uma espécie de altar, talvez uma mesa para oferendas, que alguns interpretam prosaicamente como uma manjedoura! Além disso, a presença de folhas de pipal - uma espécie de figueira considerada na Índia como árvore sagrada - confirma igualmente o caráter emblemático provável dos selos achatados e não cilíndricos, como os da Mesopotâmia, com forma de barrilete. Enfim, a presença de sinais pictográficos ser-nos-ia de grande ajuda - se tivéssemos possibilidade de os interpretar! Infelizmente, ainda não nos confiarem a chave do seu mistério e não os podendo traduzir e compreendê-los, contentamo-nos em saber que a sua leitura é feita da direita para a esquerda...
Qual era a utilidade desses selos? Ignorâmo-lo. Seu grande número intriga tanto como sua extrema diversidade. A presença, às vezes, de um anel de suspensão faz-nos pensar, que se poderiam pendurar ao pescoço ou ao peito do seu possuidor. Para fins práticos? Por exemplo, para marcar e selar cápsulas de argila apostas nas talhas e fardos de mercadorias? Para fins religiosos, procurando o indivíduo colocar-se sob a proteção de divindades escolhidas por causa das suas atribuições bem definidas? Para estes dois fins ao mesmo tempo? Ter-se-ia procurado colocar as mercadorias referenciadas no nome do proprietário, sob a custódia de gênios benfeitores, representados nos selos pelos seus emblemas. De resto, o caráter sagrado e temível daquilo que está selado, mesmo por uma autoridade civil, não se mantém até hoje? Selos, marcas de propriedade, amuletos, talismãs...eram sem dúvida tudo ao mesmo tempo!
Os selos permitiram datar uma civilização desconcertante; alguns foram, com efeito, encontrados em Elam e na Mesopotâmia sumeriana, em Ur, Kish, Tello, Khafadje, Tell-Asmar...e até em Tróia (no nível datado de 2300 a.C.); inversamente, um século-cilíndrico elamita foi também encontrado em Mohenjo-Daro. Estas descobertas, em contextos bem datados, permitiram precisar melhor a época desta civilização dotada de escrita, mas ainda sem história: nem nomes de cidades, povos, ou soberanos...por enquanto.
Um grande especialista como Marshall, hesitou entre datas compreendidas de 3250 a.C. e 1000 a.C.! Hoje, parece, que as datas propostas por Sir Mortimer Wheeler encontram a adesão de numerosos especialistas: de 2500 a.C. a 1500 a.C., este milênio não deve levantar objeções. Mas, que uma primeira cultura, mais antiga, tivesse sido encontrada há pouco, que recuasse estas datas até 3000 a.C., isso não surpreenderia nem mesmo a esses especialistas. Com efeito, sondagens feitas pelo Dr. George F. Dales, perto da cidade baixa de Mohenjo-Daro, fizeram crer que a cidade repousa perto de 30 metros de escombros, dos quais dez somente foram investigados. Será muito difícil levar a exploração para além disso, pois o nível do rio elevou-se mais ou menos oito metros desde há 3.000 anos, toda a zona profunda do local encontra-se alagada pelas águas de infiltração.
Assim, numa época imprecisa, que se situa por volta de 1500 a.C., estas cidades foram todas abandonadas por razões misteriosas: cheias catastróficas que provocaram deslocamento do curso dos rios? Uma grande perturbação ecológica, por exemplo, uma seca extrema? Inversões vindas pelo famoso desfiladeiro de Khyber, como a dos Árias, que se estende por três séculos (1500 a.C. a 1200 a.C.)? O perturbador achado, nas ruínas, de cinqüenta cadáveres confirmaria a tese de um fim brutal. Essas pessoas não teriam tido tempo de fugir e foram massacradas nas ruas; encontraram-se corpos decapitados, de crânio fraturado; uma mulher perseguida que quebrou a cabeça numa escada. Uma certeza: depois deste massacre a cidade foi totalmente abandonada. Não se vive no meio de cadáveres e estes estavam insepultos. De todo o modo, o declínio já estava lá, pois constata-se, que o último nível de ocupação da cidade traduz um nítido recuo no cuidado da construção, que era de má qualidade. As casas parecem quase pardieiros implantados numa cidade moribunda. Chegou-se mesmo a dar um nome a esta medíocre cultura: Jhukar, e situa-se entre 1700 a.C. e 1500 a.C.
Onde estariam os geniais criadores da grande civilização hindu? Foram dizimados por terríveis epidemias? Neutralizados por flagelos insuperáveis (cheias, secas, salinização do solo...)? Eliminados por invasores? Ignorâmo-lo. Talvez tenhamos de apelar para todos estes fatores ao mesmo tempo. Assim, esta civilização permanece misteriosa do começo ao fim, de suas origens à sua destruição. Não é menos verdade que já se vêem nela traços do futuro gênio indiano, o que nos obriga a considerá-la como sendo de essência puramente indiana.

Dos vedas ao Islã, um vôo de vinte séculos
No decorrer do segundo milênio antes da nossa era, todo o mundo antigo foi abalado por invasões, movimentos de populações, que se entrechocaram como um movimento de ondas, cujo centro principal de origem emanava da Ásia central. Com intensidade diferente, todas as regiões foram afetadas: os Dóricos instalaram-se na Grécia, os Hititas na Anatólia e os Árias nos planaltos iranianos e na Índia setentrional. Estas tribos arrastaram outras na sua passagem. Quando os Árias - daí em diante os Indianos históricos - aparentados com Iranianos, como o demonstra a língua, se espalharam entre 1500 a.C. e 1200 a.C. pela planície indo- gangética, foi-lhes necessário empurrar as populações indígenas recalcitrantes em direção ao Decão. Atualmente, etnias como os Tamuls, os Tégulus e os Kanara, de raça dravidiana, e os Munda, repelidos igualmente para a Índia central, constituem núcleos de sobrevivência do antigo substrato aborígine, que se esforçava por sobreviver ao lado do ocupante.
Temendo ser absorvidos por esta massa de submetidos que restava, os conquista- dores, mais bárbaros, mas dotados de melhor armamento, instauraram uma sociedade fechada e compartimentada em castas, fundada primeiro numa descriminação racial baseada na cor da pele, depois na função social. Ao alto da pirâmide, os Sábios ou brâmanes, depois os Guerreiros ou xátrias, em seguida os Camponeses ou vaicias e enfim os Sudras para os servir. Quanto aos autóctones, não assimilados, ficavam "fora das castas"!
Durante várias gerações, os brâmanes transmitiram oralmente os Livros do Saber, os Vedas, que se aparentam com o Avesta do Irã e só serão registrados escrito a partir do século VI antes da nossa era, quando a escrita de origem aramaica foi introduzida no Pendjab, sem dúvida pelas administrações do ocupante persa aquemênida. Este conjunto literário - os Vedas - vibra de poesia naturalista e apresenta-se como uma compilação de cantos e hinos litúrgicos, acrescentada de todo o ritual a observar nos sacrifícios.
Antigos pastores nômades, os Árias, introduziram sua teogonia constituída essencialmente por divindades astrais, celestes e atmosféricas: o Sol (Suria ou Vishnu), o Céu estrelado (Varuna), o Céu trovejante (Indra) e os deuses da Tempestade, o Fogo (Agni) e toda uma plêiade de divindades e gênios secundários. Ao longo dos séculos, vingança dos vencidos, esta teogonia não cessaria de evoluir num sentido cada vez mais influenciado por eles.
Ao texto sagrado dos Vedas, juntar-se-iam, em breve (por volta de 600 a.C.), outros textos mais especulativos: comentários religiosos, os Brahamana e os Upanichades lições esotéricas, num verdadeiro-conjunto de meditações filosóficas. Foi então, que se elaborou o dogma fundamental, que regeu todo o pensamento indiano: o do Samsara, ou da transmigração, do ciclo sem fim das reencarnações ao qual todo ser vivo está condenado. Estas vidas sucessivas, estes perpétuos renascimentos são determinados pelo caráter variavelmente meritório das vidas anteriores; em suma, tem-se a vida que se mereceu toda a existência dos futuros budistas será orientada pelo desejo de fugir definitivamente deste ciclo infernal.
Do seio dos Yogin, ou ascetas brâmanes, que vivem retirados nas florestas para meditar, sairiam duas novas religiões, o jainismo e o budismo, enquanto a teogonia indiana não cessava de proliferar e de se vestir de lendas cada vez mais poéticas e maravilhosas. Com efeito, essa sociedade védico-brâmane, petrificava a sociedade que se esfarelava numa infinidade de subcastas. Esta rigidez paralisante devia provocar no século VI a.C. os dois grandes cismas, que parecem mais de origem social que religiosa, visando romper as estruturas muito compartimentadas da sociedade brâmane. O jainismo foi pregado por um monge de origem real, Vardhamana, apelidado de Jina, o Vitorioso, e o budismo por um obscuro príncipe dos confins do Nepal, Siddharta Gautama, chamado o Sábio, quer dizer Buda, que não admitia o sistema das castas. Estas duas religiões, nascidas quase ao mesmo tempo no século VI antes da nossa era, terão o desenvolvimento brilhante de que temos conhecimento.
Abalado, o bramanismo reagiria e orientar-se-ia numa via que originará mais do que uma religião, uma verdadeira civilização. Hoje ainda, a filosofia, as crenças, os ritos, os mitos e lendas brâmanes continuam rigorosamente enraizados e vivos. Claro que o seu exagerado panteísmo, um pouco idólatra, pode surpreender-nos à primeira vista, na realidade não passa de uma "cortina de névoa", uma irradiação infinita do conceito do Deus único: “Deus está em tudo". Estas inumeráveis divindades, cósmicas na origem, serão todas sobrepujadas e dominadas, sem exceção, pelas personalidades esmagadoras de Siva e de Vishnu, que constituem com Brama, a Trimurti, (a tríade) brâmane. O último dos três deuses não atingirá nunca a imensa popularidade dos dois primeiros. No bramanismo, o caminho apresentado ao crente para romper a engrenagem da transmigração é o yoga, que ambiciona um conhecimento e uma concentração interior, adquiridos através de um severo ascetismo do corpo e do espírito.
Desde a queda da civilização de Mohenjo-Daro, a planície indo-gangética tinha sem dúvida seus deuses, seus mitos, sua maneira de sentir e de pensar, mas já não tinha arte. Será preciso esperar a passagem de Alexandre que, indiretamente, avivará as brasas que incubavam há séculos. Um rei de Magadha - o atual Bihar - inspirando-se em Apadana de Persépolis, mandou construir um palácio que espantou o viajante grego Megástenes. Saía-se da "' arquitetura" de lama, palha e madeira! Magadha parece que desempenhava um papel considerável na história indiana, dominou todo o vale gangético nos séculos VI e V a.C. Pode- se considerá-lo como o berço da Índia antiga; é em Magadha, com efeito, que nasce o budismo, o qual obteve um extraordinário eco tanto no pensamento como nas artes plásticas. Pode-se considerar, que toda a produção artística dos dois últimos séculos antes da nossa era, traz a marca exclusiva da religião budista. Com o soberano Asoca (272 a 231?) acaba o longo silêncio da arte, que tinha desaparecido com a chegada dos Árias. O primeiro império indiano da história será obra da dinastia Mauria (322 a.C. a 187 a.C. ?), cuja mais ilustre personalidade foi o soberano Asoca. Convertido ao budismo, conseguiu levá-lo à quase totalidade da península indiana, onde chegou a exercer sua soberania. Realizava assim a primeira unificação política e favorecia a volta a uma arte digna deste nome. Com ele vemos aparecer o uso da pedra, tanto em arquitetura como em escultura. Na construção, segundo um reflexo freqüentemente observado, o trabalho na pedra inspira-se diretamente nas técnicas utilizadas na madeira, reproduzindo paradoxalmente todos os elementos do madeiramento.
Fez gravar em altas colunas de pedra - que se encontraram dispersas por uns trinta lugares mais ou menos - éditos que pregavam uma moral universal de rara elevação. Mas, depois da sua morte, o continente retornou rapidamente ao desmembramento político que tantas vezes conheceu. No decorrer dos últimos séculos antes da nossa era, o repertório iconográfico do budismo elaborava-se lentamente, assimilando fórmulas decorativas estrangeiras, gregas, alexandrinas, mas sobretudo irano-aquemênidas. Foi sem dúvida do Irã, que veio a singular técnica da escavação rupestre, monolítica, que aparece por volta de 80 a.C. e que se manterá por muito tempo (até aos séculos VIII e IX d.C.). De Pataliputra, a capital de Asoca e de seu palácio, que tanto espantou Megástenes, pouca coisa resta.
Foi nesta época, que apareceram os primeiros stupa, tão peculiares na Índia, esses grandes relicários em forma de tumulus, hemisféricos, encimados por um mirante munido de um guarda-sol (cujo desenvolvimento dará o pagode!), símbolo de autoridade e dignidade. O maciço era contido dentro de uma balaustrada ligeiramente recuada; esta galeria intersticial, a céu aberto, servia para a deambulação ritual, circular e repetida, tendo o edifício à direita, ou à esquerda, em sentido inverso, para os ritos funerários. Esta balaustrada e a base do stupa de um e de outro lado fiel, eram ornamentadas com uma infinidade de pequenos baixos-relevos narrativos, ilustrando a vida de Buda, colocados aí para sua edificação. Nos lugares de Sanchi, Bharhut e Bodhgaya, existem ainda alguns muito nítidos.
Na Índia, a escultura sempre se integrou na arquitetura, a ponto, de às vezes, transformar os edifícios em verdadeiras esculturas monumentais (como a de Mahabalipuram, Ellora...) ou em grandes tapeçarias esculpidas (como em Madurai e os Gopurás de Tiruvannamalai). Neste baixos-relevos narrativos do início, a imagem de Buda não era reproduzida, mas sugerida por símbolos: a marca das suas pegadas, seu guarda-sol, seu cavalo ou seu trono vazio... Esta regra iconográfica cheia de respeito, desaparecerá no século II da nossa era. Espontâneo e vivo, o estilo de Bharhut, permanecerá como um dos mais atraentes da Índia e lembraremos sempre das provocantes Yakshini -: estas divindades populares contraditórias, que são ao mesmo tempo deusas da fecundidade e comedoras de crianças! - suspensas nos lintéis dos pórticos de Sanchi. Não é menos sensual, o marfim encontrado nas escavações de Pompéia e que nos mostra uma princesa vestida só com suas jóias.

O Buda e os budas
Abrangendo os cinco primeiros séculos da nossa era, este período será igualmente influenciado pela cultura helênica, que se prolonga, e sobretudo pela do Irã sassânida. Este período é tão confuso como o precedente e por volta de 120 da nossa era, vemos Citas afluir do Irã, num remoinho de turbulentas migrações de tribos seminômades mongóis, rechaçadas pelos Hiong-nu - os Hunos. Um poderoso império surgia, estendendo-se do Oxus à bacia do Ganges, tendo como pivô o Afeganistão; sua influência chegará até à Indochina. De origem Yue-tche, a dinastia dos Kaniska (144-172?), cujo zelo budista é bem conhecido.
Os Kushana deixaram-nos inumeráveis esculturas, que nos documentam sobre sua próspera sociedade. Os dois primeiros séculos da nossa era foram marcados pela extraordinária e intensa densidade das trocas comerciais, em todas as direções, desde o Mediterrâneo até à China e pôs em contato os mundos grego, egípcio, romano, árabe, iraniano, indiano, chinês, etc... As idéias e as artes deviam forçosamente ressentir-se desses contatos.
Na Índia, no século I, o budismo dividiu-se em duas tendências: o Pequeno Veículo permanece fiel aos textos primitivos, enquanto que o Grande Veículo dá mais importância ao divino e aos comentários dos textos, evoluindo cada vez mais para o misticismo. Outros budas juntam-se ao Buda histórico Sakyamuni. Seis principais precederam-no, um outro é esperado, Maitreya. Ele pertence ao número dos bodhisattva, os Salvadores de compaixão infinita que o Grande Veículo multiplica e venera de tal modo, que suplantarão e mesmo substituirão os budas no culto. Para melhor se consagrarem à felicidade de seus adoradores, os bodhisattva retardam o momento de sua entrada no Nirvana!
Em escultura, a imagem canônica do Buda precisa-se; escultores de imagens fixam alguns dos 80 sinais que o distinguem: a protuberância craniana - que é a deformação mal interpretada de um coque -, um tufo de pêlos entre as sobrancelhas, as três pregas no pescoço, a Roda da lei figurada na palma das mãos ou na planta dos pés, o hábito monástico, etc... Fixam-se cânones não menos rigorosos para suas atitudes e gestos das mãos e cada qual se reveste de um significado simbólico, preciso, como uma verdadeira linguagem: meditação, caridade, descontração, concentração, prédica, declaração, gestos para tranqüilizar ou para tomar a terra como testemunha...
Por seu lado, a iconografia brâmane elabora-se igualmente, e ainda que o fervor popular começasse a distinguir os semideuses Krishna e Rama, só muito mais tarde triunfariam no domínio das artes.

Três escolas para a arte
Distinguem-se três escolas principais na Índia dos três primeiros séculos, escolas cuja coexistência compreendemos mal: a noroeste, aquela em que predomina o estilo greco-budista; a nordeste, o estilo de Mathura, e a sudeste, o de Amaravati. Nestas três escolas aparece no século II, a imagem do Buda canônico descrito atrás.
A arte greco-budista nascida por volta do ano 50 da nossa era, na região de Peshwar, desenvolve-se essencialmente no território de Gandara e do Kapisa e, segundo os mais recentes trabalhos, ter-se-ia prolongado até aos séculos VII e VIII, paralelamente à arte gupta, em certas regiões distantes, como Caxemira. Motivos de inumeráveis estuques e relevos em xisto, provinham do mundo clássico; palmas, pampros e cachos de uvas, Baco, atlantes alados, amores carregados de grinaldas, roupagens, penteados e enfeites, a silhueta e os traços apolíneos de Buda.
A segunda escola irradiou para longe - até Longmen na China - desde Mathura, a capital religiosa e artística dos dinastas Kushana; segue-se sua produção durante perto de seis séculos, do século I antes da nossa era até perto de 550. Mas seu apogeu situa-se no século II.
De resto, a cidade conscientemente destruída, só nos legou uns restos de arquitetura. Esse estilo, melhor seguido noutros lugares, diz-se o herdeiro da estética indiana de Bharhut e de Sanchi, com traços helenísticos inevitáveis na época, bem entendido, mas também iranianos, se observarmos o vestuário. Entretanto, a imagem de Buda, que se generaliza, não deve nada ao estrangeiro: personagem maciça, crânio prolongado por uma protuberância, o manto monástico, deixando uma espádua nua, ele levanta sua mão direita para tranqüilizar.
Se essa escola dispunha de um arenito rosa-escuro para a estatuária, a terceira escola, a de Amaravati, reconhece-se pelo emprego que fez de um mármore claro. Sua criação não escapa à influência alexandro-romana da época, mas reveste-se de um aspecto mais moderado, mais selecionado (escolhido). Sua produção seguida até ao século IV, deu-nos igualmente uma imagem nova e mais dravidiana de Buda. Por mais individualizadas que fossem, essas três escolas apresentam no panorama artístico desses primeiros séculos, uma unidade real, e suas várias manifestações arquiteturais, os caracteres da escultura e da pintura têm aspectos comuns de uma província a outra. Continua-se a cavar santuários e mosteiros na rocha das falésias, a construir stupas (relicários) segundo os planos antigos retomando os mesmos motivos; os vãos e as portas em ferradura - dito “o arco indiano" - e as lucernas ditas Kudu, de perfil idêntico.
Os stupa continuavam a ser ornados de abundantes relevos, pintados regularmente - não o esqueçamos, mesmo se não encontrarmos nenhum vestígio disso, e os templos de esculturas.
Jeannine Auboyer sublinhou o caráter altamente sedutor das obras da escola de Mathura: “Figuras ao mesmo tempo de uma juventude de expressão e de uma plenitude de formas, elas refletem alternadamente a gravidade dos reis Kushana, esses homens da estepe ainda revestidos do pesado vestuário dos nômades, cobertos pelo barrete cita, ou a sorridente voluptuosidade das mulheres, cujo corpo opulento, se inflecte na pose canônica do "tribbangga" de tripla flexão. Sem brutalidade, sóbria de expressão, a arte Mathura estiliza a graça robusta com incríveis delicadezas ".
Por seu lado, as obras de Amaravati, oferecem seu dinamismo não menos elegante e uma graça enlanguescida, própria da Índia meridional. Entre estes dois centros maiores, Mathura e Amaravati, é preciso colocar o extraordinário achado feito em Begram, a 30 quilômetros ao norte de Cabul, uns 600 marfins de origem indiana. Encontrados pela missão (1937-1959) de Joseph e Ria Hackin, podemos considerá-las como uma das descobertas mais espetaculares do século; lacas chinesas, bronzes, vidros greco-romanos, uma meia centena de emblematas - formas de gesso de interiores de pratos gregos - foram igualmente encontrados nesse tesouro escondido e emparedado em duas salas, abandonado precipitadamente, parece, por causa de invasores. A diversidade de suas origens (Alexandria, Grécia, Roma, China, Índia...) testemunha a espantosa intensidade de trocas, no decurso dos dois primeiros séculos da nossa era.
Muitos desses marfins provêm do mobiliário indiano (cadeiras, tamboretes, pequenos cofres...) e confirmam o que nos mostra a iconografia, esculpida ou pintada, revelando-nos igualmente as narrativas escritas. O extremo virtuosismo e a diversidade de técnicas - são cinzelados, abertos e fechados, recortados, esculpidos em relevo ou pintados... - a sedução dos temas (jovens mulheres em sua toalete, brincando com pássaros, ou tocando harpa, descansando...) o requinte das poses e das decorações cativam-nos imediatamente.
Este grafismo tão puro, esta mestria das formas, este gosto suave pela plástica feminina, reencontramo-lo nas raríssimas pinturas conservadas em duas cavernas de Ajanta, que anunciam a notável pintura gupta. Vêem-se, aí, jóias do mesmo tipo que as encontradas em Taxila. Enfim, é preciso dizer também, que foi esta a época de ouro para numismática, que declinará totalmente logo depois.

A arte Gupta
Por volta de 320, na bacia do Ganges, uma nova dinastia, desta vez indígena, a dos Gupta, erigia um vasto império de tendências brâmanes: assim, se aproximava o lento declínio do budismo no norte da Índia. Com esta dinastia, que se manterá um século e meio e durante o período pós-gupta, que se prolonga até ao século VIII, a arte indiana viverá sua idade de ouro", seu período dito clássico, atingirá o ponto de equilíbrio e dará sua expressão mais autêntica e equilibrada. Como a política dos Gupta era poderosa, a expansão da arte revelar-se-á também considerável; estender-se-á até ao Japão, deixando, contudo, sua influência mais perfeita, no sudeste asiático. Seus soberanos mais notáveis, usam no século IV, o nome de Sandragupta.
O renome espiritual da Índia dos Gupta e do período que se segue, atrai viajantes de muito longe; os Chineses ficaram célebres. O monge budista Fa-hien deu a conhecer a prosperidade e espírito de justiça, que reinava na capital, Pataliputra (401-410); Hiuan-tsang, informa-nos sobre a vida indiana do segundo quarto do século VII; Yi-tsing instrui-nos sobre os últimos 25 anos, depois da extinção da dinastia, devido à passagem dos Hunos helefalitas, vindos de Bactriana. A Índia estava de novo dividida, e numerosos príncipes recobraram a sua independência. Deste desmembramento, emerge o Decão, a dinastia Chalukya, que cobrirá a província de tesouros artísticos considerados entre as obras-primas da arte universal: em Ajanta, Aihole, Badami, Auranggabad.
Desenvolvendo-se na região de Sarnath (vale dos Ganges), depois no noroeste do Decão, em Ajanta, a arte gupta (séculos IV a VI) e seu prolongamento, o estilo pala de Bengala (séculos VIII a XII), deram igualmente um rosário de obras-primas: os budas de Sarnath e de Mathura (século IV a V), os afrescos de Ajanta (século VI) e os alto-relevos de Mahabalipuram (século VII) e de Ellora (séculos VII a VIII).
Durante esta idade média indiana, a arquitetura evoluiu abandonando nos santuários o plano absidal e alongado, ganhando em verticalismo. De resto, a arquitetura rupestre continuava em graça e em Ajanta como em Ellora, cavaram-se até trinta cavernas-santuário no decorrer deste magnificente período; forma de ferradura - um empréstimo antigo feito às armações de madeira - eram o tema central do repertório ornamental, acompanhadas de lótus, grinaldas, báculos, folhagens, volutas, cabeças de monstros e monstros aquáticos ou copósitos.
Toda feita de equilíbrio e de harmonia, de encanto e amenidade, a escultura em alto relevo, abunda igualmente nesta época. Enquanto que as obras budistas testemunham uma compaixão e uma ternura sem afetação pelas criaturas, as inspiradas pelo bramanismo, procuram voluntariamente pôr em evidência o poder sobre-humano dos deuses e sua vitalidade superior. Nos templos brâmanes, inacessíveis aos fiéis, o brâmane oficiava sozinho à porta do santo dos santos, que continha a estátua do culto esculpida segundo as prescrições dos textos sagrados, de regras canônicas muito precisas. A estátua era consagrada no decorrer de uma cerimônia muito complicada; operava-se a abertura ritual dos olhos com um toque de cor na pupila e um retoque feito com um bastonete de ouro. Depois, procedia-se à toalete e ao arranjo das vestes, da estátua, antes de a conduzir para o santuário, em grande procissão, para instalá-la no seu pedestal.
Distingue-se muito grosseiramente - pois a variantes são infinitas - dois grandes tipos de templo brâmane: os do norte, ditos de forma Nagara, que dão um grande desenvolvimento vertical à torre (sikhara) encimando o sanutário, e o estilo do sul, dito Dravida, que recobre o santuário de um vimana, enorme maciço piramidal com andares em afastamento sucessivo, cujos motivos esculpidos não são menos detalhados do que os sikhara. Nos séculos seguintes, esta decoração será sobrecarregada até ao paroxismo, recoberta regularmente de uma berrante policromia de um gosto discutível, que prejudica e desfigura esta arte.
Antes de declinar, a partir do século IX, para desaparecer praticamente na Índia, três séculos mais tarde, o budismo, por sua vez criava, no período gupta, as mais belas imagens esculpidas do Iluminado (Buda), as mais sóbrias, as mais elegantes e humanas, ainda que pela sua extrema serenidade, participem da majestade divina. Depois do século XII, a representação de Buda colorir-se-á e perderá seu "esplendor".
Com uma tendência menos acentuada pelo passado, os relevos gupta testemunham, em contrapartida, uma preocupação nova dos artistas, que consideram, daí para cá, essa produção mais em função do edifício e de sua inserção nele, do que uma produção independente, edificante e suficiente por si mesma. Esta harmonia aprimorada será atingida com felicidade nos séculos VII e VIII em Ellora, Mahabailpurna e EIephanta -lugares, têmo-lo dito, considerados inegavelmente entre os tesouros da arte universal.
Ainda que as fórmulas decorativas em uso nesta época sejam as mesmas para as três grandes regiões - budismo, bramanismo e jainismo - constata-se, no domínio da escultura, que a supremacia pertence à inspiração brâmane, como podemos verificar admiravelmente nos três lugares citados atrás: em Elephanta, a grande Trimurti, esse busto colossal com mais de seis metros, que mostra as três faces de Siva, na gruta principal da sua ilhota, junto a Bombaim; em Mahabalipurna (de estilo paliava), citaremos o Sono de Vishnu, que vemos deitado sobre a Serpente da Eternidade, assim como a espantosa descida à terra da deusa Ganga, envolvida por uma quantidade de seres humanos, animais e monstros míticos; em Ellora finalmente - onde existe umas trinta grutas das três religiões - (em estilo Chalukya), citemos o inolvidável Kailasa, esse templo monolítico, que exigiu, para ser isolado da falésia, o transporte de 200.000 toneladas de rocha vulcânica. Aí vemos desde a entrada, nesse estilo frenético próprio da região, um baixo-relevo mostrando Gajalaksmi, ao meio de um tanque coberto de lótus, fazendo-se aspergir por elefantes. Como réplica, do lado oposto, Siva abraça Parvati, sua esposa, aterrorizada por um tremor de terra, provocado pelo demônio Ravana, enquanto as criadas fogem apavoradas em todas as direções.
As obras desta época são incontáveis e de valor desigual, mas as jóias de arte abundam. Mencionaremos entre elas, uma coleção famosa de bronzes do século IX - 200 peças - que foi encontrada num mosteiro de Nalanda; fundidas segundo o processo da cera perdida (numa liga de oito metais), eram, às vezes, recobertas de uma fina camada de caulim esverdeado. Estes bronzes revelam muitas afinidades com a arte javanesa.
Mas o que nos impressiona mais na produção artística desta época, é a pintura mural, e mais particularmente a encontrada em Ajanta, de uma sedução irresistível. Claro que esta pintura foi encontrada nos templos, mas a literatura informa-nos, que ornava abundantemente os interiores dos palácios, das moradias privadas e dos edifícios públicos. Construídos com materiais medíocres e leves, ao contrário dos santuários, estes edifícios profanos, infelizmente, desapareceram todos.
De inspiração budista, datadas na sua maior parte do século VI, as pinturas de Ajanta, ilustram episódios da vida do Iluminado, dos Avadana ou lendas piedosas, além de umas trinta de Jataka, verdadeiros contos edificantes, narrativas das vidas anteriores de Buda, cuja revelação lhe foi feita no decorrer da sua Iluminação. Outras pinturas foram encontradas em Gagh (em Gwalior no século VI), em Sittanavasal e em Badami (em Maisur). Vastas composições cobrem os muros, os pilares, os tetos destes santuários e dão, à primeira vista, um sentimento de confusão e de sobrecarga, que desaparecem com um exame mais atento; pelo contrário, a arte revela-se muito sábia.
“Estes afrescos", sigamos Jeannine Auboyer, "traduzem, com um encanto particular, o refinamento desta época em que desabrocha o conjunto da cultura indiana; transmitem-nos muitos pormenores da vida deste tempo, o fausto das cerimônias oficiais, a intimidade das cenas familiares. Vêem-se longos cortejos, que se desenrolam ao sair das cidades, misturando pedestres, elefantes e cavaleiros, encimados de guarda-sóis e emblemas, ostentando a animada miscelânea das vestimentas entre o marrom escuro da pele e o cintilar das jóias de ouro." Casais enlaçados, orquestras tomando suas posições, príncipes concedendo audiência, conservaram-se vivos nestas paredes. Conjunto de mulheres, vestidas apenas de uma tanga de musselina ou de tecido listrado, cobertas de delicados adereços, caminham sobre um chão coberto de flores; algumas estão apoiadas em colunas, outras misturam-se às conversas dos príncipes, outras ainda trazem bandejas de flores, moem cereais, agitam leques. Na parte superior dos afrescos, gênios voadores circulam entre rochas estranhamente cúbicas; aqui e ali, uma planta delicadamente observada, ostenta seus arabescos". Com estas pinturas, é a sociedade e a indianidade inteiras, que encontramos, sob seus aspectos mais sedutores.
Sábia e sutilmente dispostas, estas composições testemunham muita fantasia; poses lânguidas, silhuetas em atitudes graciosas, de formas arredondadas e delicadas, exprimem, com uma intensidade incomparável, o encanto e o mistério feminino. Alguns indianistas notaram quanto esta arte se aparentava com o teatro da época (Pr. Stern), o que esta devia igualmente à coreografia indiana, onde a cada gesto, cada atitude, cada movimento da mão e dos dedos, do pescoço, das pálpebras, das sobrancelhas, é atribuído um significado preciso e definido, perfeitamente compreendido por todos os iniciados. Eles acordam e suscitam imediatamente uma sensação ou um sentimento determinado e esperado.
Sem dúvida, esta linguagem imitada é convencional e estilizada como toda a linguagem, mas que graça, que felicidade na expressão, que finura e que elegância sensual! Quanto mistério e melancolia nesses olhares! Tudo isso representado num estilo perfeito, sábio e seguro. Que ciência no acabamento de formas e contornos. Nenhuma iluminação dirigida vem esculpir, artificialmente, os modelados; a luz difusa, não é orientada de nenhum lugar especial, mas banha as cenas de uma poeira dourada, em que os modelados são expressos por delicadas nuanças!
Uma argamassa misturada de conchas queimadas, depois pulverizadas, serve de suporte e antes que se fixasse na parede, misturava-se-lhe crina de cavalo, pêlos de boi e gluma de arroz. Para as cores, os minérios intervinham mais do que os produtos vegetais e animais. Recolhiam os pêlos das orelhas das vitelas e de ratos almiscarados para confeccionar pincéis.
No domínio do metal, os Indianos não eram menos senhores de suas técnicas pois foram capazes, desde o século IV, de fundir colunas de uma só peça e até pilares ultrapassando dez metros, graças a processos de que o ocidente, se aproximará somente quinze séculos depois. Por outro lado, estas realizações - como a coluna de Dhara e o pilar de ferro de Delhi - foram fundidas de tal maneira - ainda enigmática - que nenhuma oxidação as atingiu!
Refinados e sábios a este ponto, os Indianos não podiam deixar de ser ourives geniais.
A beleza das jóias da época gupta - poucos exemplares chegaram até nós, mas conhecemo-las através dos afrescos de Ajanta - apesar da erosão, não poderiam deixar de nos seduzir. Notaremos também a particularidade indiana de reproduzir freqüentemente jóias na pedra dos edifícios, como simples motivos decorativos.
Depois deste brilhante período gupta - e pós-gupta igualmente - a autoridade declinou e a arte entrou em decadência. Em Bengala - num Estado tradicionalmente aberto às idéias e as artes - sob as dinastias Pala (770-1086) e Sena (até 1202) o budismo lançava seu último clarão antes de se apagar, brandamente, nesta região que tinha sido seu berço. Iniciada em 711, em Sind, por mar, a invasão muçulmana ganhava terreno lentamente, reduzindo os reinos indianos um a um. Em 1202, foi a vez do Império Pala-sena de Bengala. A Índia entrava parcialmente na era muçulmana.


Voltar para História