Texto de Análise - As Castas, por Louis Renou
A casta (varna, jati) e um fenômeno muito amplo, que excede os problemas religiosos. Apenas o referiremos aqui na medida em que a casta tem uma incidência na religião ou e regida por esta. Resulta claro que, das três grandes funções sociais primitivas, apenas a primeira, a dos brâmanes, é de essência religiosa. Os brâmanes, independentemente das ocupações que tiveram, são em princípio os detentores do poder sagrado: “o próprio nascimento do brâmane é a encarnação eterna da Lei” (Manu). O seu dever resume-se nisto: “ensinar o Veda”. O seu modo de vida, segundo a antiga Smriti, consiste em sacrificar por outrem (portanto, em oficiar como sacerdote) e receber donativos. Mas as três outras classes participam igualmente nas coisas sagradas, em graus diversos. A segunda, dos kshatriyas, cuja atividade própria é a das armas, deve, segundo a Smriti, “sacrificar (aos seus próprios fins), estudar o Veda e fazer donativos”. O rei, que resume a essência dos kshatriyas, e uma emanação da divindade, um “deus com forma de homem”, como diz Manu, e as grandes cerimônias reais, mesmo na Índia pós - védica, tem o caráter de feiras religiosas: são as únicas sobrevivências do antigo culto solene oferecido as grandes divindades. A terceira classe, dos vaiçyas, consagrados em principia a criação de gado, agricultura e comercio, tem os mesmos deveres e cargos que os kshatriyas, embora sem dúvida em menor medida. Quanto a quarta, os çudras, que estão ao serviço das outras três classes, mantêm-se aparentemente excluída da religião, mas os textos antigos reconhecem-lhe alguns direitos, e todo o esforço de várias seitas tendeu para a integrar ou reintegrar no sistema bramânico. Quanto à poeira das castas «modernas», oriundas teoricamente das quatro grandes classes, a sua atividade distingue-as sem dúvida (assim como o habitat e, eventualmente, a pertença étnica) muito mais que a marca religiosa, que, não obstante, desempenhou um papel na classificação. Entre os brâmanes (o único grupo que permaneceu relativamente coerente), a maior parte abandonou as funções sacerdotais sem incorrer em qualquer descrédito (já Manu dizia que “os brâmanes devem ser honrados, embora se dediquem a ocupações vulgares de toda a espécie, porque cada um deles é uma grande divindade”), desde que a atividade não seja daquelas que passam por impuras por natureza. A investidura religiosa é comum a todos os «nascidos duas vezes» (dvija), ou seja, aos membros das três primeiras classes. A expulsão da casta representa uma espécie de excomunhão, e a maior parte das regras de casta baseiam-se na noção de segregação, que resulta do valor religioso atribuído à pureza e a impureza. Quanto à própria origem das castas, viu-se nela um fato religioso. Isto aplica-se na medida em que é religiosa a oposição hierárquica entre o puro e o impuro.