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O Império Maurya

Vencedor de Dario III, em 331 a.C., Alexandre Magno da Macedônia conquistou o antigo império persa, província após província. Quando chegou às margens do Indo, dois séculos após Dario I - menos um decênio -, teve de enfrentar o poderoso exército de um soberano indiano Poros (sans. Puro), que reinava provavelmente no Pandjab. Ao mesmo tempo, um jovem general da Índia oriental ter-se-ia revoltado contra o seu soberano (da dinastia dos Nanda, no Magadha) e, levado por um ardor ambicioso, teria procurado o apoio do conquistador grego para destronar o rei de Magadha, seu senhor. b pelo menos o que sugere Plutarco (Alex., Lxii). Sejam quais forem as razões - e são numerosas - que impediram Alexandre de atender este atraente projeto que lhe teria dado acesso à Índia gangética, o general magadi teve de passar sem o auxílio dos invasores. Conhecido dos gregos com o nome de Andrakotos, Sandracotos ou Sandrakuptos, iria desempenhar um importante papel no destino da Índia. Teria sido a recusa de Alexandre que o colocou na oposição? A verdade é que logo após a morte do grande macedônio, em 323, teria assumido o papel de «chefe da liberdade». Os prefeitos de Alexandre foram mortos e as suas tropas obrigadas a retirarem-se (317-316). Três anos mais tarde, em 313-312, Sandrakoto subia ao trono do Magadha, pondo fim à dinastia dos Nanda, e inaugurando, com o nome sânscrito de Chandragupta, a dos Maurias. E quando, pouco antes de 305, Seleuco, fundador do reino e da dinastia selêucida, veio ao Pandjab, seguindo o caminho de Alexandre, Chandragupta possuía um verdadeiro império que se estendia do Indo ao Ganges, dominava o delta destes dois rios, e se apoiava num poderoso exército. A organização administrativa parece ter sido bem empreendida, vigiada por inspetores imperiais, e facilitada pelo bom estado das estradas que o soberano tinha em grande cuidado. Não se tratava já, para Seleuco, de desprezar a aliança de um monarca tão poderoso: abandonou-lhe os territórios para lá do Indo, e concedeu-lhe, diz-se, a mão de uma princesa grega. A partir desse momento, a Índia entrou na órbita dos grandes impérios do tempo; a sua capital, situada em Pataliputra ou Magadha, foi durante muitos decênios centro de uma embaixada grega que o embaixador Magasténio ilustrou, e cujas informações são preciosíssimas, embora em segunda mão.
As conquistas territoriais de Chandragupta parece terem-se aumentado com a Índia central e uma grande parte do Decão no reinado do filho Bindusara, de quem nada de exato se conhece. Mas foi um filho deste, o célebre Açoka, que levou a dinastia ao seu apogeu; as fontes gregas nada dizem a respeito dele e a tradição búdica conservou dele apenas um retrato insignificante. Felizmente, este imperador teve o cuidado de mandar gravar éditos por todo o lado, nos territórios que governava, graças aos quais se pode reconstituir a sua personalidade e o modo da sua propaganda imperial.
Tendo-se apoderado do poder por volta de 264 a.C., teria sido coroado em 260; oito anos mais tarde, tendo conquistado de modo particularmente brutal o poderoso reino de Kalinga (que se estendia do delta da Mahanadi ao do Godavari), Açoka manifesta a sua tristeza e arrependimento no XIII édito, que merece ser largamente citado:
“...Cento e cinqüenta mil pessoas foram deportadas; cem mil lá foram mortas; várias vezes este número pereceu...A tristeza assaltou o Amigo dos Deuses (Açoka) depois que ele conquistou Kalinga. Com efeito, a conquista de um país independente é o morticínio, a morte ou o cativeiro para as gentes: pensamento que magoa imenso o Amigo dos Deuses, que lhe pesa. E isto pesa ainda mais ao Amigo dos Deuses: os habitantes, brâmanes, samanes ou de outras comunidades, os cidadãos que praticam obediência aos superiores, ao pai e mãe, aos senhores, a perfeita cortesia em relação aos amigos, familiares, companheiros e parentes, em relação aos escravos e criados, e a constância na fé, todos então são vítimas da violência, do morticínio ou da separação daqueles que lhes são queridos. Até os felizes que conservaram os seus afetos, se acontece mal aos amigos, familiares, camaradas ou parentes, sofrem com isso um golpe violento. Esta participação de todos os homens é um pensamento que pesa ao Amigo dos Deuses... Seja qual for o número dos mortos, dos falecidos e dos cativos na conquista de Kalinga, fosse esse número cem ou mil vezes mais pequeno, pesa presentemente no pensamento do Amigo dos Deuses”. (trad. para o francês por Jules Bloch).
Esta conquista sangrenta provoca em Açoka uma crise moral, e determina a sua conversão ao budismo, fato que iria ter uma incalculável repercussão na Índia. Daí em diante, segundo o mesmo edital, Açoka quer que «haja, para todos os seres, segurança, domínio dos sentidos, equanimidade e doçura»; a vitória que ele «considera como primacial é a vitória da Lei». Esta lei é tanto a sua como a do budismo e do bramanismo: é o dharma indiano, simultaneamente lei, religião e ordem moral: Finalmente, aconselha aos seus sucessores que não pensem em novas vitórias, mas pelo contrário a elas prefiram «a paciência e a leve aplicação da força».
Açoka não se contenta com fazer gravar estes conselhos «nas montanhas e em pilares de pedra»: ordena que sejam proclamados ao som de tambor a toda a população. Durante os trinta e seis anos do seu reinado, instituiu pelo império uma organização administrativa muito firme, cujo papel parece ser tanto social quanto religioso; não poupa aos funcionários nem críticas nem pregações, e exerce sobre eles uma vigilância que penetra até no gineceu. Ele próprio não se cansa de fazer peregrinações aos lugares santos do budismo, organizando também excursões regulares de propaganda que servem ao mesmo tempo para inspecionar o bom andamento das coisas administrativas. O seu zelo para com o budismo não o impede, porém, de aconselhar a tolerância mútua das seitas, nem que as favoreça quando calha. Enfim, tornou-se célebre pela caridade para com os animais, renunciando pessoalmente aos prazeres da caça, e ordenando que fossem reduzidos os massacres de animais destinados à cozinha do palácio imperial: em vez de matar todos os dias «centenas de milhares», basta matar três: dois pavões e uma gazela, e ainda assim «nem sempre»; mais tarde, suprime completamente o uso da carne na sua mesa.
O seu império englobava toda a Índia do Norte e do Noroeste, compreendendo nele uma parte do Afeganistão (uma inscrição dele foi recentemente descoberta em Kandahar), e estendia-se ao Sul, até ao país dos Andra (vales inferiores da Godavari e da Krisna). Mantinha relações diplomáticas com a Síria, a Cirenaica, o Egipto, a Macedónia, o Epiro ou Corinto. A unificação política da qual Açoka foi o mais augusto fator estimulou o desenvolvimento econômico de todo o país. Com ele, o budismo tornou-se um poderoso fator civilizador; difundiu-o em Caxemira, nas regiões gregas, e até no Ceilão, onde enviou o filho (?) em missão. Paralelamente, as artes plásticas tiveram grande surto, sendo empregadas pela primeira vez, parece, matérias duradouras.
Após a sua morte, o império foi dividido. O Magadha, o Malva e a região de Ayodia passaram para as mãos dos Sungas (176-64 a.C.?), depois para as dos Kanvas (64-50): o centro de gravidade deslocou-se para Ocidente. Isto coincidiu com graves acontecimentos que se produziam a Noroeste, e que iriam ter profunda repercussão na própria Índia. Depois de Alexandre, os reinos indo-gregos tinham-se fundido na Bactriana, no Gandara (Pexavar), no Kapixa (Cabul), etc. Em constantes lutas uns contra os outros, e alvo dos ataques dos Iranianos e dos Partos, um dos reis de Bactriana, Demétrio, empreendeu a conquista da Índia cerca de 189, e avançou até Pataliputra. O seu sucessor, Menandro, manteve-se aí apenas até 168, mas conservou um reino no Pandjab. A partir desta época, as regiões de Cambaia e de Broach foram incluídas na rota comercial dos gregos. Parece que o primeiro dos Sungas, Puxiamitra (I76-I40?), teria repelido os invasores. Coube ao seu neto repeli-los para o outro lado do Indo.
A importância dos Sungas e dos Kanvas não pode ser minimizada, embora não tenha podido conservar o império mauria. A administração foi menos espectacular do que a de Açoka, mas pode afirmar-se que mantiveram uma elevada tradição cultural e artística nas regiões que dominaram; foi na época deles que se cavaram as mais belas grutas antigas, e que se erigiram, entre outros, os célebres monumentos (stupa) de Barhut e de Sanchi, cujos relevos historiados ilustram tão perfeitamente as descrições literárias. da vida do tempo.
Por outro lado, o budismo fazia consideráveis progressos na evangelização: não só se expandia na Índia, compreendendo nela as regiões do sul (particularmente a do Amaraviti), como atingia os indo-gregos até à Bactriana; o rei Menandro, por exemplo, ficou célebre na tradição búdica pelas «perguntas» que fazia ao sacerdote Nagasena, cujas respostas são um elogio do budismo. Por seu lado, o bramanismo evoluía ao mesmo tempo para um teísmo cada vez mais acentuado, e para uma tradição épica, em perfeito acordo com a estrutura guerreira da Índia desse tempo. Seitas cada vez mais numerosas se fundam nesta época: adoradores de Siva, que o sacerdote Lakuliça em breve organizará; de Visnu que tende a tornar-se o símbolo místico da paz do coração; da sua encarnação, o deus bucólico Krisna, cujos adoradores recebem o nome de bagavata; da sua outra encarnação, Rama, herói do grande poema épico, o Ramaiana. Que esta forma afectiva de religião indiana tenha podido agradar aos Ocidentais, temos disso prova concreta no pilar, ornamentado com o pássaro mítico de Visnu, Garuda, e consagrado a Vasudeva-Krisna; foi erigido cerca de 100 a. C., não longe de Vidiça, em Besnagar, pelo grego Heliodoro, oriundo de Taxila, e embaixador do rei Antiálquidas junto do rei Sunga.

in Auboyer, J. A Vida Cotidiana na Índia Antiga. Lisboa: Livros do Brasil, s/d


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