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O Período de Expansão e Conflito

Foi provavelmente por volta do século VI que as tribos árias, até então estabelecidas entre os cursos do Indo e do Ganges, progrediram para o oriente. Um certo número de Estados ou de reinos mais ou menos estáveis fundou-se, então, na região de Delhi, no "País do Meio" (Madiadeça), no Aud (Coçala e Videa), no Biar meridional (Magada); estendem-se, ao sul, até os montes Vindia e possuem todos eles muitas cidades importantes, entre as quais podemos citar Cauçambi sobre o Yamuna e Caci (Benares) sobre o Varanavati.
Depois da hegemonia tentada pelo reino dos Currus (Delhi) na época precedente, é o Magada (Biar meridional) que tentará a sua oportunidade. Apresenta-se como uma região menos profundamente arianizada que as de oeste, e na qual os característicos aborígines são mais firmemente assinalados; é, de resto, considerado pelos árias como uma região semibárbara. Entre os séculos VI e IV cabe- lhe empreender a conquista da bacia do Ganges; é o momento em que a dinastia dos Siçunagas, vinda de Avanti (isto é, do reino ária mais meridional da época precedente), derruba a dinastia de Briadrata, sobre a qual praticamente nada se sabe. Os Siçunagas -dos quais apenas os reis Bimbisara (543-491?) e Ajataçatru (491-459?) são bem conhecidos, em razão do papel que desempenham na literatura budista - teriam anexado Bengala, a região de Caci (Benares), o Coçala (Aud) e o Videa (Biar setentrional). Controlando, assim, uma vasta região cujo eixo era formado pelo curso médio e inferior do Ganges, o reino de Magada transportou a sua capital de Rajagria, no Biar setentrional, para Pataliputra (Patna), na confluência do Sone e do Ganges. Por volta do fim do século IV a. C., os Siçunagas foram substituídos no trono de Magada pelos Nandas, sob os quais, segundo se supõe, prosseguiu a atividade unificadora, e que foram os antepassados dos Maurias que, por sua vez, conseguiram fundar, por volta de 320, o primeiro império pan-hindu.
Enquanto os territórios orientais da Índia ária assim se organizavam e procuravam unir-se, os do oeste conheciam a ameaça de novos invasores: o Império Persa empreendia a conquista das províncias limítrofes, a princípio sob a direção de Ciro (557-529), ao qual se atribui a conquista do Capiça (região de Cábul), e em seguida sob Dario (521-485), cujas novas possessões teriam englobado o Gândara (regiâo de Peshawar); o conjunto do Pendjab central até o Biar e, enfim, o Sind. Isto constituiu, para o noroeste da Índia, o prelúdio de um longo período de agitações, que manteve a região durante muito tempo à margem da vida hindu propriamente dita. Isto porque a dominação persa prolongou-se por quase dois séculos e foi seguida de uma nova intrusão: a dos exércitos de Alexandre, o Grande, em 326-325. cujas conseqüências estudaremos mais tarde.
Podemos, portanto, considerar que a época do reinado de Bimbisara tem sua importância, pois consagra a primeira unificação de um vasto território a leste e uma dissidência forçada do oeste, através do qual as influências iranianas penetram novamente, como no tempo em que os próprios árias as importavam. Mas esta época é ainda notável em virtude de acontecimentos de ordem religiosa, espirituais e sociais, cujas conseqüências repercutirão por muito tempo. De fato, a religião védica transformou-se profundamente sob a ação cada vez mais rígida dos brâmanes; paralelamente, uma codificação mais marcada começa a encerrar em castas a sociedade; a moral, tomando-se mais rígida, por imposição dos brâmanes, tende a restringir a liberdade dos costumes. Em poucas palavras, o conjunto de fenômenos que compõem a civilização védica evoluiu para um formalismo que suscitou toda uma série de "reformas". Multiplicaram-se as seitas, cada uma propondo uma modalidade diferente, quanto à obediência à tradição, ao sacerdócio, à obtenção da libertação etc. Na época do reinado de Bimbisara, dois homens agem no mesmo sentido: Sáquia-Múni, que funda o budismo, e aquele que é designado pelo nome de Maavira, fundador do jainismo. Ambos encontram os espíritos hindus preparados para a admissão de um reajustamento do pensamento em relação aos problemas que lhes surgem com crescente acuidade. Mas não devemos enxergar nestas diversas tendências - pertençam elas ao antigo vedismo ou aos novos sistemas budista e jaina - uma revolução brutal apoiada numa guerra santa; trata-se, antes, de um alargamento das preocupações morais e metafísicas, trazendo consigo a necessidade de regras de vida que melhor estivessem de acordo com o indivíduo. Tais foram as preocupações que, certamente, provocaram a redação dos comentários (brâmanas) e das lições esotéricas (upanichades), desde então acrescentados aos textos védicos da época anterior. Foram elas também que permitiram que Sáquia-Múni encontrasse tal eco para as leis da moral que pregava, baseada na caridade para com todos os seres. É preciso, pois, conceber este período - cor- respondente aos séculos VI e V aproximadamente - como o de um verdadeiro despertar espiritual, paralelo a persistentes tentativas de unificação política e de contatos efetivos com os ocidentais. Será preciso, entretanto, esperar ainda um certo tempo antes que se esboce nitidamente uma real oposição entre as tradições budista e védica; esta diferença não existe ainda profundamente, porque o budismo está apenas nos inícios; é ele, então, menos uma religião do que uma moral e não despreza o panteão popular e, menos ainda, os modos de vida habitualmente admitidos. Só a partir dos primeiros séculos da era cristã, estas oposições surgem claramente, quando a redação dos textos budistas e a manifestação da arte budista as tomam perfeitamente tangíveis. Mas ainda assim, serão de ordem religiosa e social, mais do que material.

in Auboyer, J. "Elementos Históricos da Índia". in Crouzet, M. (org.) História Geral das Civilizações. Lisboa: Difel, 1957, v.2


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